Para qual abismo você olha quando visita zoológicos?

“E se o que estamos ensinando às nossas crianças é que pra ver bicho a gente precisa ir a um zoológico e não a uma reserva ambiental mais próxima da cidade ou a um parque natural do bairro ou até mesmo ao próprio jardim de casa?” Esse foi um dos questionamentos apresentados pela bióloga Vitória Nunes em seu texto publicado em dezembro de 2023 no Fauna News (@faunanews). A provocação contida nessa pergunta  ecoa  e se desdobra em questões profundas sobre que tipo de conexão estabelecemos com a natureza ao visitarmos os zoológicos.

Frequentemente ouvimos que os zoológicos promovem a nossa conexão com a natureza. O que é suposto é que você terá um encontro com a natureza que não está ao seu alcance. Talvez isso aconteça porque zoológicos são locais onde é possível ver animais que povoam nosso imaginário do que seja a natureza, proporcionando uma experiência “fácil” sobre conhecer a diversidade da vida silvestre. No entanto, essa conexão precisa ser questionada, uma vez que os animais em cativeiro não vivem em ambientes que refletem seus habitats naturais.

Os zoológicos apresentam aos seus visitantes uma natureza majoritariamente artificial e que, portanto, impõe limites e distorções ao tipo de conexão que teremos com o ambiente e com os animais. O risco está em internalizarmos essa concepção limitada de natureza a ponto de não nos darmos conta de que ela é apenas um recorte e que precisamos expandir nosso olhar para além dos cativeiros. Para combater essa limitação, os zoológicos deveriam ao menos priorizar que seu público entendesse o real motivo dos animais estarem ali. Algo como olhar fundo para aquela situação e, aí sim, se conectar com vidas cheias de sofrimento, privações e que ainda têm que servir ao entretenimento humano. Talvez essa conexão pautada na responsabilidade seja mais proveitosa.

Para complementar essa reflexão, vale retomar uma conclusão atribuída ao filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Quando se olha muito tempo para o abismo, ele olha para você”. Nesse contexto, o abismo pode ser visto como a  natureza simplificada propagandeada pelos zoológicos. Se não temos outros referenciais, essa concepção simplificada de natureza nos reconfigura e  passamos a acreditar e aceitar que a vida em cativeiro é o que resta para os animais, que assim estarão “conservados” e livre de ameaças. Nos acostumamos e até nos divertimos com os comportamentos estereotipados dos animais até que não haja tempo e disposição para entender o real motivo de eles estarem ali. Quanto mais nos envolvemos nessa dinâmica, mais distante ficamos da verdadeira conexão com a natureza. Como Nietzsche alegoricamente citou o abismo, ao fixarmos nosso olhar apenas na natureza como é proposta pelos zoológicos, corremos o risco de nos deixarmos envolver em uma visão limitada e artificial.

Portanto, é crucial questionar o propósito e o significado dos zoológicos em nossa sociedade, especialmente se o benefício para os seres humanos em questão for a educação e conexão com a natureza. O entretenimento como “benefício” não deveria nem estar sendo debatido, mas sim superado. 

Para contribuir com essa reflexão, convido você a participar da consulta pública sobre o sentido dos zoológicos em: https://silvestrelivre.org.br/consulta/

Para acessar o texto completo da Vitória Nunes no Fauna News, acesse: https://faunanews.com.br/do-trafico-ao-zoo-interativo-sobre-conservacao-do-lucro-e-pets-publicos/

Thayara Nadal, Médica Veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida livre do Fórum Animal.

Fontes

Friedrich Wilhelm Nietzsche, Alegoria do abismo.

Tráfico de silvestres é tema urgente

O tráfico de animais silvestres, tipificado como crime pela Lei nº 9.605/98, é uma prática preocupante que envolve sanções penais e administrativas conforme a legislação de cada país, podendo acarretar detenção e multa. Esta atividade ilícita tem se disseminado, tanto no Brasil quanto globalmente, sendo classificada como o terceiro maior crime internacional, conforme evidenciado por estudos, incluindo o realizado pela WWF (Fundo Mundial para a Natureza). A demanda por animais exóticos, como animais de estimação, impulsiona este comércio, ignorando os impactos negativos sobre os animais e o meio ambiente.

Os animais traficados enfrentam condições desumanas, desde a retirada ilegal de seus habitats naturais até o transporte em situações precárias. Esses maus-tratos não apenas causam danos físicos e psicológicos, mas também aumentam os riscos à saúde e à sobrevivência das espécies traficadas. Além disso, muitas espécies estão em risco de extinção devido ao tráfico, ameaçando diretamente a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas.

Embora a mídia tenha aumentado a cobertura sobre o tema, é fundamental que os governos intensifiquem esforços na conscientização da população sobre os danos causados pelo tráfico de animais silvestres. Diante dessa lacuna de ações, muitas organizações não governamentais e entidades civis têm feito um trabalho incansável nesta área. A educação ambiental, campanhas de conscientização e fiscalização são medidas fundamentais para combater essa prática criminosa e proteger a fauna selvagem. 

O recente levantamento feito pela nossa equipe na plataforma de busca Google.com, demonstrou mais de 300 notícias entre o início do mês de março até o início de abril sobre o tráfico de animais silvestres. Esta questão evidencia a magnitude deste problema, como a Operação da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, resultando na apreensão de macacos na residência da personalidade Nicole Bahls; a Operação Voo Livre, deflagrada na Bahia e que resgatou mais de 300 aves pela PF; e, a Operação realizada pela Polícia Civil do Paraná que resultou na prisão de nove pessoas e resgatou diversos animais que foram encaminhados para órgãos competentes para os devidos cuidados.  A cobertura midiática destaca a importância de enfrentar esse crime ambiental, reforçando a necessidade de ações integradas e contínuas para proteger nossa fauna e flora.

Além disso, o comprometimento de diversas regiões do Brasil, como o Distrito Federal, em reforçar suas ações contra o tráfico de animais, exemplificado pelo estabelecimento de um dia dedicado a esse combate, dia 29 de setembro, que demonstra a urgência e a relevância do tema. O envolvimento do Ibama em parcerias com instituições nacionais e estrangeiras para fortalecer as ações de fiscalização e repressão ressalta a necessidade de abordagem conjunta para enfrentar esse desafio.Portanto, é essencial desmistificar inverdades sobre o tráfico de animais, como a ideia de que a prática é inofensiva ou benéfica aos animais, sendo que na verdade, os animais enfrentam condições horríveis e sofrem danos físicos e psicológicos irreparáveis.  É nosso objetivo promover a conscientização sobre os impactos devastadores desse crime, destacando a importância de proteger nossa fauna e flora para garantir a sobrevivência das espécies e o equilíbrio dos ecossistemas. Afinal, mesmo após o resgate os animais ainda precisam lutar pela sobrevivência.