Zoológicos: da AZAB ao caso Beto Carrero

A temática dos zoológicos requer muito debate e, por isso, temos tratado desse tema com atenção no âmbito de nossa frente Vida Silvestre, Vida Livre. Com a intenção de ampliarmos nosso olhar e entendermos como os zoológicos têm sido debatidos institucionalmente, estivemos presentes como ouvintes no 47º Congresso da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), que aconteceu no período de 18 a 22 de junho e teve inscrições abertas a qualquer pessoa interessada.

O objetivo da nossa participação foi identificar as atualizações da AZAB sobre a sua atuação e identificar pontos de atenção visando a melhoria de vida dos animais que estão em cativeiro e o fim da exploração animal para entretenimento humano. Em outras palavras, é fundamental entendermos com clareza os motivos pelos quais diversas espécies de animais são mantidas em cativeiro expostas à visitação pública.

Nossas principais conclusões:

  1. Conexão entre Zoológicos, IBAMA e ONGs: há uma demanda urgente de melhorar a colaboração entre zoológicos, o IBAMA e ONGs. Essa conexão ainda é precária ou inexistente, embora seja essencial para garantir práticas eficientes de conservação e bem-estar animal. 
  2. Debates aprofundados sobre a função dos zoológicos: é dever dos zoológicos explicarem suas funções com transparência à sociedade. Isso é essencial e urgente para que haja condição de debate sobre o que os zoológicos estão propondo como ações de conservação, educação ambiental e conexão com a natureza.
  3. Melhores métricas dos resultados relacionados à conservação de espécies: muitos zoológicos ainda não mensuram como suas atividades contribuem para a preservação de espécies em risco de extinção. Isso deveria ser condição mínima para que essa função se justifique. 
  4. Gestões pouco focadas no interesse do animal: o discurso de reformulação dos zoológicos está muito distante dos interesses dos animais enquanto indivíduos sencientes e que merecem dignidade. Essa dignidade não será plenamente alcançada enquanto os animais forem objetos de entretenimento humano, seja qual for a justificativa final.

Consideramos importante trazer este tema à tona justamente porque queremos aprofundar a discussão sobre o papel dos zoológicos na sociedade. Este é um assunto complexo que precisa ser debatido amplamente para encontrarmos soluções que beneficiem os animais, a conservação das espécies e uma educação ambiental libertadora e antiespecista.

Essa é uma preocupação global que foi inclusive destaque em uma carta publicada na revista Nature em abril deste ano. A carta foi escrita pelo biólogo inglês Donald Broom e mais dois colaboradores. Os autores destacam que os zoológicos precisam ser mais honestos sobre seu papel de entretenimento e trabalhar melhor a afinidade das pessoas pelos animais para promover ações sustentáveis de bem-estar animal. Broom é professor emérito da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e é considerado a principal referência no estudo e pesquisa sobre bem-estar animal no mundo. 

Já no Brasil, essa semana foi divulgado que o Zoológico do conhecido parque temático Beto Carrero World fechou as portas. A justificativa dada pela empresa é que os shows, brinquedos e atrações do parque já não “combinam” mais com a manutenção dos animais para exposição pública. Embora a justificativa possa ser bem mais complexa que essa, esse posicionamento demonstra que já não faz mais sentido explorar animais para mero entretenimento humano e que empreendimentos que fazem isso precisam mudar. Por decisão da empresa, o novo destino dos animais ainda não foi esclarecido. Diante disso, fica a expectativa de que esses animais não sejam novamente submetidos ao entretenimento humano.

Se você se interessa por esse tema e ainda não nos contou seu ponto de vista, participe de nossa pesquisa de opinião pública “Qual o sentido dos zoológicos para você?”, disponível em: https://silvestrelivre.org.br/consulta/

Leia na íntegra a carta na revista Nature:

https://www.nature.com/articles/d41586-024-01269-0

Thayara Nadal, médica veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida Livre do Fórum Animal.

O Papel do Maio Amarelo na Preservação da Fauna Silvestres

O Maio Amarelo surge como um movimento essencial de conscientização para a prevenção de acidentes de trânsito, uma campanha global que busca promover a segurança viária e reduzir o número de incidentes nas estradas. Mas, além dos perigos enfrentados pelos seres humanos, essa iniciativa também lança luz sobre uma realidade muitas vezes negligenciada: o atropelamento de animais silvestres. Segundo dados do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), os atropelamentos em rodovias representam uma importante causa de morte de animais silvestres no Brasil.

A relevância de discutir esse tema é notável, como ressalta a Diretora Técnica do Fórum Animal, Vania Plaza Nunes. Ela destaca que muitos atropelamentos, principalmente em vias secundárias próximas a áreas naturais, ocorrem devido ao desrespeito aos limites de velocidade, enquanto em outros casos, animais são deliberadamente atropelados por falta de empatia ou compreensão de sua importância para o ecossistema.

A área de pesquisa e estudos chamada ecologia de transporte nos mostra como as estradas fragmentam habitats e criam barreiras para a locomoção segura dos animais, levando a consequências devastadoras para as populações silvestres. Corredores ecológicos podem ser soluções que visam mitigar esses impactos, criando conexões entre áreas naturais e permitindo a livre circulação das espécies, reduzindo assim os riscos de atropelamentos.

Para enfrentar esse problema de forma eficaz, é fundamental que políticas públicas e ações educativas sejam implementadas. Alguns exemplos são o destaque no Estado do Amazonas pela deputada Joana D’arc que destaca a importância da campanha do Maio Amarelo no combate ao atropelamento de animais, ressaltando a necessidade de conscientização e respeito às leis de trânsito. Outros exemplos são projetos, como o realizado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que promovem a conscientização contra o atropelamento de animais no campus, e a ação educativa realizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na rodovia Rio-Teresópolis são exemplos de iniciativas que buscam sensibilizar a população e promover mudanças de comportamento.

Em suma, proteger a fauna silvestre em contato com estradas requer uma abordagem multifacetada, que inclui desde a criação de infraestrutura adequada até a educação e conscientização da sociedade. Somente através do esforço conjunto do poder público, instituições acadêmicas e da população em geral podemos garantir um futuro onde as estradas e a vida silvestre coexistam harmoniosamente.#VidaSilvestre Thayara Nadal, Médica Veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida livre do Fórum Animal.

Por que não comprar um animal silvestre?

Para qual abismo você olha quando visita zoológicos?

“E se o que estamos ensinando às nossas crianças é que pra ver bicho a gente precisa ir a um zoológico e não a uma reserva ambiental mais próxima da cidade ou a um parque natural do bairro ou até mesmo ao próprio jardim de casa?” Esse foi um dos questionamentos apresentados pela bióloga Vitória Nunes em seu texto publicado em dezembro de 2023 no Fauna News (@faunanews). A provocação contida nessa pergunta  ecoa  e se desdobra em questões profundas sobre que tipo de conexão estabelecemos com a natureza ao visitarmos os zoológicos.

Frequentemente ouvimos que os zoológicos promovem a nossa conexão com a natureza. O que é suposto é que você terá um encontro com a natureza que não está ao seu alcance. Talvez isso aconteça porque zoológicos são locais onde é possível ver animais que povoam nosso imaginário do que seja a natureza, proporcionando uma experiência “fácil” sobre conhecer a diversidade da vida silvestre. No entanto, essa conexão precisa ser questionada, uma vez que os animais em cativeiro não vivem em ambientes que refletem seus habitats naturais.

Os zoológicos apresentam aos seus visitantes uma natureza majoritariamente artificial e que, portanto, impõe limites e distorções ao tipo de conexão que teremos com o ambiente e com os animais. O risco está em internalizarmos essa concepção limitada de natureza a ponto de não nos darmos conta de que ela é apenas um recorte e que precisamos expandir nosso olhar para além dos cativeiros. Para combater essa limitação, os zoológicos deveriam ao menos priorizar que seu público entendesse o real motivo dos animais estarem ali. Algo como olhar fundo para aquela situação e, aí sim, se conectar com vidas cheias de sofrimento, privações e que ainda têm que servir ao entretenimento humano. Talvez essa conexão pautada na responsabilidade seja mais proveitosa.

Para complementar essa reflexão, vale retomar uma conclusão atribuída ao filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Quando se olha muito tempo para o abismo, ele olha para você”. Nesse contexto, o abismo pode ser visto como a  natureza simplificada propagandeada pelos zoológicos. Se não temos outros referenciais, essa concepção simplificada de natureza nos reconfigura e  passamos a acreditar e aceitar que a vida em cativeiro é o que resta para os animais, que assim estarão “conservados” e livre de ameaças. Nos acostumamos e até nos divertimos com os comportamentos estereotipados dos animais até que não haja tempo e disposição para entender o real motivo de eles estarem ali. Quanto mais nos envolvemos nessa dinâmica, mais distante ficamos da verdadeira conexão com a natureza. Como Nietzsche alegoricamente citou o abismo, ao fixarmos nosso olhar apenas na natureza como é proposta pelos zoológicos, corremos o risco de nos deixarmos envolver em uma visão limitada e artificial.

Portanto, é crucial questionar o propósito e o significado dos zoológicos em nossa sociedade, especialmente se o benefício para os seres humanos em questão for a educação e conexão com a natureza. O entretenimento como “benefício” não deveria nem estar sendo debatido, mas sim superado. 

Para contribuir com essa reflexão, convido você a participar da consulta pública sobre o sentido dos zoológicos em: https://silvestrelivre.org.br/consulta/

Para acessar o texto completo da Vitória Nunes no Fauna News, acesse: https://faunanews.com.br/do-trafico-ao-zoo-interativo-sobre-conservacao-do-lucro-e-pets-publicos/

Thayara Nadal, Médica Veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida livre do Fórum Animal.

Fontes

Friedrich Wilhelm Nietzsche, Alegoria do abismo.

Tráfico de silvestres é tema urgente

O tráfico de animais silvestres, tipificado como crime pela Lei nº 9.605/98, é uma prática preocupante que envolve sanções penais e administrativas conforme a legislação de cada país, podendo acarretar detenção e multa. Esta atividade ilícita tem se disseminado, tanto no Brasil quanto globalmente, sendo classificada como o terceiro maior crime internacional, conforme evidenciado por estudos, incluindo o realizado pela WWF (Fundo Mundial para a Natureza). A demanda por animais exóticos, como animais de estimação, impulsiona este comércio, ignorando os impactos negativos sobre os animais e o meio ambiente.

Os animais traficados enfrentam condições desumanas, desde a retirada ilegal de seus habitats naturais até o transporte em situações precárias. Esses maus-tratos não apenas causam danos físicos e psicológicos, mas também aumentam os riscos à saúde e à sobrevivência das espécies traficadas. Além disso, muitas espécies estão em risco de extinção devido ao tráfico, ameaçando diretamente a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas.

Embora a mídia tenha aumentado a cobertura sobre o tema, é fundamental que os governos intensifiquem esforços na conscientização da população sobre os danos causados pelo tráfico de animais silvestres. Diante dessa lacuna de ações, muitas organizações não governamentais e entidades civis têm feito um trabalho incansável nesta área. A educação ambiental, campanhas de conscientização e fiscalização são medidas fundamentais para combater essa prática criminosa e proteger a fauna selvagem. 

O recente levantamento feito pela nossa equipe na plataforma de busca Google.com, demonstrou mais de 300 notícias entre o início do mês de março até o início de abril sobre o tráfico de animais silvestres. Esta questão evidencia a magnitude deste problema, como a Operação da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, resultando na apreensão de macacos na residência da personalidade Nicole Bahls; a Operação Voo Livre, deflagrada na Bahia e que resgatou mais de 300 aves pela PF; e, a Operação realizada pela Polícia Civil do Paraná que resultou na prisão de nove pessoas e resgatou diversos animais que foram encaminhados para órgãos competentes para os devidos cuidados.  A cobertura midiática destaca a importância de enfrentar esse crime ambiental, reforçando a necessidade de ações integradas e contínuas para proteger nossa fauna e flora.

Além disso, o comprometimento de diversas regiões do Brasil, como o Distrito Federal, em reforçar suas ações contra o tráfico de animais, exemplificado pelo estabelecimento de um dia dedicado a esse combate, dia 29 de setembro, que demonstra a urgência e a relevância do tema. O envolvimento do Ibama em parcerias com instituições nacionais e estrangeiras para fortalecer as ações de fiscalização e repressão ressalta a necessidade de abordagem conjunta para enfrentar esse desafio.Portanto, é essencial desmistificar inverdades sobre o tráfico de animais, como a ideia de que a prática é inofensiva ou benéfica aos animais, sendo que na verdade, os animais enfrentam condições horríveis e sofrem danos físicos e psicológicos irreparáveis.  É nosso objetivo promover a conscientização sobre os impactos devastadores desse crime, destacando a importância de proteger nossa fauna e flora para garantir a sobrevivência das espécies e o equilíbrio dos ecossistemas. Afinal, mesmo após o resgate os animais ainda precisam lutar pela sobrevivência.

Tragédia em zoológico da Bélgica: uma reflexão sobre confinamento, estresse e busca por soluções

No início de março de 2024, o  Zoológico do Bellewaerde Park, um parque temático na Bélgica, tornou-se palco de uma tragédia que ecoou internacionalmente. Durante um momento crucial de adaptação entre leões em cativeiro, o leão que estava sendo apresentado às fêmeas reagiu com inesperada violência e arrancou a garganta de uma das leoas, resultando em sua morte. Este evento chocante não só provocou comoção, mas também levantou questões profundas sobre o confinamento de animais selvagens em zoológicos e as implicações de tentativas de reprodução em cativeiro.

O caso em questão aconteceu especificamente no contexto de um programa de reprodução dos leões em cativeiro. A justificativa é que a espécie está vulnerável à extinção e que, portanto, eventos de reprodução em cativeiro fazem parte dos esforços de conservação da espécie. Entretanto, mesmo com todo o protocolo técnico estabelecido para  um programa de reprodução cativeiro, a tragédia ainda assim não pôde ser evitada. Isso evidencia uma verdade incômoda: os animais silvestres em cativeiro estão sujeitos a um estresse constante, independentemente da qualidade do ambiente em que vivem.

Este acidente não é isolado. Na verdade, ataques e brigas entre animais silvestres em confinamento provavelmente são mais comuns do que se imagina. Infelizmente, não encontramos uma estimativa concreta, mas arriscamos presumir que, apenas no último ano, tenham ocorrido centenas de casos semelhantes em zoológicos ao redor do mundo, com menor ou maior grau de gravidade para os animais ou até mesmo seres humanos envolvidos.

A falsa noção de controle, muitas vezes associada aos protocolos rigorosos dos estabelecimentos, é desafiada pela imprevisibilidade do comportamento animal e pelas tensões resultantes do confinamento. Foi notável que até mesmo os funcionários do estabelecimento ficaram surpresos com a situação, demonstrando que mesmo quem está acostumado com os animais e com o manejo não tem o controle da situação. Aqui é importante ressaltar que o leão e a leoa envolvidos na tragédia já viviam em confinamento em zoológicos antes de se encontrarem. Até onde apuramos, o leão continuará no parque e provavelmente será submetido novamente ao programa de reprodução em cativeiro no futuro.

Ao comentar esse caso, queremos trazer a perspectiva maior da problemática que envolve a vida silvestre em cativeiro. É importante pensarmos sobre isso, porque pode ser que esse tipo de evento não tenha necessariamente uma solução, visto que o ser humano jamais terá o controle absoluto do comportamento dos animais. Isso precisa ser previsto e ponderado nas decisões de manter ou não programas de manejo e conservação por reprodução em cativeiro. Fica aqui, portanto, o alerta sobre os riscos que podem existir quando submetemos os animais a esse tipo de condição de vida.

Thayara Nadal, Médica Veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida livre do Fórum Animal.

O que fazer quando encontrar um animal silvestre machucado?