Os zoológicos têm uma longa história que remonta a tempos antigos, quando coleções de animais eram mantidas por monarcas e elites como símbolo de poder e prestígio. No entanto, a origem dos zoológicos como os conhecemos hoje está diretamente ligada ao imperialismo europeu dos séculos XVIII e XIX, quando grandes impérios traziam animais exóticos de suas colônias para exibição, simbolizando não apenas a dominação de territórios, mas também o controle sobre a natureza.
Conforme relatado pela BBC, em uma matéria de 2022, milhões de pessoas visitavam zoológicos para ver criaturas exóticas que despertavam curiosidade e entretenimento, sem considerar o impacto que esse cativeiro tinha sobre os próprios animais. Essa exibição não era apenas uma forma de lazer, mas também uma expressão de poder, onde a fauna de terras distantes estava à mercê dos colonizadores.
Zoológicos surgiram em Londres, Paris e Hamburgo nesse contexto, acompanhados pelo avanço da história natural e pela curiosidade em classificar a fauna e flora do mundo. A ciência natural florescia ao lado dessas coleções, e as exposições ao público favoreceram a impressão de que o conhecimento sobre a natureza estava acessível para todos. Contudo, essa origem está impregnada de uma história de dominação, onde os animais eram retirados de seus habitats e expostos como meros objetos em vitrines.
Alguns historiadores, ao abordar a evolução dos zoológicos na América Latina, destacam que muitos foram criados com intenções conservacionistas, especialmente no que tange à preservação de espécies nativas e um novo tipo de sensibilidade para com os animais. Essa perspectiva, endossada por organizações como a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), ressalta o papel que os zoológicos têm desempenhado em termos de conservação e educação .
No entanto, essa perspectiva pautada pela função da conservação e educação para conservação ainda carrega questões éticas centrais sem resposta:
- Mesmo considerando o discurso da conservação das espécies, para quem ela é importante?
- Seriam as práticas dentro do zoológico críticas e libertadoras?
- Poderiam os zoológicos contribuir para a construção de uma sociedade onde sejam levados em conta os interesses de todos os seres?
O desenvolvimento desses questionamentos pode ser lido na dissertação de mestrado defendida em 2018 na Universidade Federal Fluminense por Anna Paula Simões e orientação da Rita Paixão, intitulada: “Zoológicos: uma análise crítica acerca de seus papéis e de sua eticidade”. Recomendamos a leitura!
Embora zoológicos tenham mudado em gestão e foco, animais continuam sendo mantidos em ambientes artificiais, muitas vezes longe das condições naturais que lhes proporcionariam bem-estar. Além disso, a ideia de que zoológicos são hoje espaços de educação e preservação ainda mascara a realidade do entretenimento humano que os zoológicos insistem em não abordar com sinceridade.
Aqui surgem mais perguntas que devemos nos fazer: vale a pena manter instituições que, em sua essência, se originaram do desejo de dominação e curiosidade humana? É possível justificar a existência de zoológicos quando sabemos que, para muitos animais, esse ambiente significa sofrimento, privação de liberdade e estresse contínuo?
Carl Hagenbeck, um dos grandes fornecedores de animais para zoológicos ao redor do mundo, é muitas vezes citado como um visionário. No entanto, ele fez fortuna comercializando e explorando seres vivos, contribuindo para um sistema que tratava os animais como mercadorias. Embora alguns argumentem que zoológicos mudaram desde então, será que essa transformação foi suficiente para reverter os danos de uma história de crueldade e exploração?
Esse é o desafio que devemos enfrentar. O futuro dos zoológicos deve passar por uma transformação genuína, onde os direitos e o bem-estar animal sejam prioridade e não seja limitado por qualquer necessidade de entretenimento humano. Se os projetos de conservação em zoológicos ainda precisam ser financiados com entretenimento humano, isso deve ser repensado urgentemente a fim de cobrarmos por políticas públicas que supram essa dificuldade. Que o foco na conservação não seja apenas uma justificativa para manter essas instituições ativas, mas um compromisso real com a vida selvagem e o respeito à natureza.
O que você acha? Zoológicos fazem sentido para você?
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Thayara Nadal, médica-veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida Livre do Fórum Animal.
Fontes:
BRITISH BROADCASTING CORPORATION. Milhões de pessoas visitaram zoológicos, mas o que essas instituições revelam sobre nós?. BBC, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63371607. Acesso em: 12 set. 2024.
DUARTE, Regina Horta. História dos zoológicos na América Latina e suas transformações. 47º Congresso da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), Curitiba, 2024.SIMÕES, Ana Paula. A Ética e a Transformação dos Zoológicos Contemporâneos. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos, 2020.